Estávamos
na tarde de vinte de abril de 2013, domingo de Páscoa, e o árbitro Carlos Xistra
concedia dois minutos de compensação. O “inferno” da Luz estava reativado, como
há muito não se via. “O campeão voltou!”, gritavam, em êxtase, os adeptos
encarnados… A vida por vezes prega-nos partidas. O mesmo minuto 92 que num
passado recente assombrava constantemente as hostes benfiquistas era agora o
minuto da confirmação. O SL Benfica sagrava-se campeão nacional. Era caso para
dizer que Jesus tinha ressuscitado!
Campeonato
nacional, Taça da Liga e Taça de Portugal. O triplete foi alcançado pelas
“águias”. Uma época brilhante, confirmou Jorge Jesus como um dos melhores
treinadores da atualidade, revelou Jan Oblak como um dos mais promissores
guarda-redes da Europa, mostrou-nos um rejuvenescido Luisão, um dos bastiões do
título, o líder da equipa, transmissor de uma tranquilidade e segurança
notáveis a todos os companheiros da defensiva encarnada que efetuou uma das
suas melhores temporadas desde que chegou a Portugal e consolidou Enzo Pérez
como um dos médios mais intensos da atualidade. Durante toda a temporada foi
notória a sua garra, a sua intensidade e entrega ao jogo. O argentino foi o
“motor” desse Benfica que ganhou tudo em Portugal e chegou à final da Liga Europa.
A sua cotação subiu em virtude do excelente trabalho desempenhado. Um médio box to box de grande qualidade, tanto a atacar
como a defender. Poderoso fisicamente, com um pulmão incansável, uma visão de
jogo apurada à qual se junta a raça e a garra típica dos futebolistas latinos.
Um guerreiro em campo que regressou à seleção das Pampas pela mão de Sabella,
sagrando-se vice-campeão mundial no Brasil.
Passados
poucos meses deparamo-nos com um clima de incerteza na Luz. Depois de novamente
efetuar uma boa prestação europeia, chegando ao jogo decisivo da Liga Europa
pelo segundo ano consecutivo, à qual se juntou uma prestação a nível interno
absolutamente irrepreensível, naturalmente que os principais jogadores
encarnados se tornaram num alvo apetecível dos principais clubes da Europa, que
dispõem de orçamentos muito superiores em comparação com os grandes de
Portugal. À entrada para o derradeiro mês do mercado de transferências o SL
Benfica, campeão em título é ainda uma incógnita.
André
Gomes e Rodrigo, já em janeiro tinham sido adquiridos por um fundo, que
posteriormente os colocou no Valencia CF. Oblak rumou a Madrid para reforçar o
campeão Atlético, sendo o substituto do belga Thibaut Courtois. Siqueira, que
esteve na Luz cedido pelo Granada CF, teve o mesmo destino. Garay, que formou
durante épocas, juntamente com Luisão, uma das duplas de centrais mais eficazes
da Europa, é reforço do FC Zenit St. Petersburg. Lazar Marković confirmou
desde cedo o vaticínio que lhe era apontado. Rotulado como um jovem prodígio,
provou no Benfica que tais palavras não eram vãs. O jovem de 20 anos mudou-se
para a cidade dos Beatles onde irá, certamente, evoluir ainda mais ao serviço
do Liverpool. Sílvio, outro dos protagonistas dos títulos almejados, regressou
ao Atlético de Madrid. A esta lista de saídas poderá, em breve, juntar-se Enzo
Pérez, cujo nome é muito apreciado no Mestalla. A recente compra do Valencia CF pelo multimilionário Peter Lim poderá levar o argentino a reencontrar Rodrigo e
André Gomes a muito breve trecho.
O
plantel campeão está, com efeito, dizimado. É o preço do sucesso. Importa
realçar o esforço realizado pela direção do SL Benfica na temporada transata,
na qual segurou os seus jogadores mais importantes, acabando por conseguir o
tão desejado troféu. No entanto, todos os clubes portugueses, nomeadamente os
principais, estão “obrigados” a vender para assim conseguirem fazer face a
tantos encargos. Esse esforço acabou por ser compensado desportivamente na
época transata, mas nesta temporada a vertente financeira terá,
irremediavelmente, que ser compensada. O lado económico-financeiro e o sucesso
desportivo são dois fatores que podem servir de explicação para esta autêntico
êxodo dos principais futebolistas do SL Benfica.
Acontece
que nos últimos anos os “encarnados” têm apresentado sucessivamente planteis
altamente competitivos, recheados de atletas de qualidade reconhecida e craveira
internacional. Diversamente, à entrada para a temporada 2014/2015 têm chegado
ao Estádio da Luz jogadores jovens, na sua maioria provenientes do Brasil, que
se afiguram como ilustres desconhecidos para a generalidade dos aficionados.
Exceção feita para aqueles que regressaram de empréstimo ou para Eliseu, Bebé,
Djavan, Candeias e Derley. O primeiro, experiente internacional português que é
há muito um desejo expresso de Jorge Jesus, os restantes com passagens por
equipas do nosso campeonato. Bebé passou pelo Rio Ave FC e, na última época, pelo FC Paços de Ferreira, emprestado pelo Manchester United FC, Djavan foi recrutado à
Académica, Candeias e Derley chegaram da Madeira, respetivamente provenientes
do CD Nacional e do CS Marítimo.
As
lesões de Luisão, Jardel e Lisandro López concorreram para que Jorge Jesus
apostasse nesta pré-temporada numa linha defensiva inédita da qual Maxi
Pereira, que teve direito a um período de férias mais alargado em virtude da
sua participação no Mundial do Brasil, é o único representante da equipa da
temporada transata. Desde
cedo se percebeu, devido à elevada opção de compra inserida no seu contrato de
empréstimo, que Siqueira seria apenas uma solução temporária para o lado
esquerdo da defesa. A sua saída fez com que o Benfica retomasse a busca do
lateral esquerdo, posto que teve no já citado Siqueira um jogador de
indiscutível qualidade mas que representa para as “águias” uma espécie de Santo
Graal desde a saída de Fábio Coentrão para o Real Madrid. Esta temporada foram
contratados Djavan, Benito e Eliseu.
A
zona intermediária é totalmente nova. O sérvio Fesja, a recuperar de lesão, só
volta em 2015. Enzo Pérez gozou férias após a sua honrosa participação no
Mundial, ainda não efetuou qualquer jogo e tem sido um dos principais agitadores
do mercado, permanecendo a dúvida em torno da continuidade (ou não) do
argentino. Tem pontificado Rúben Amorim, internacional português que não foi um
indiscutível no onze da temporada transata, embora tenha sido de grande
utilidade para a conquista do triplete e a chegada a mais uma final europeia,
sendo uma peça fulcral na natural rotatividade que Jorge Jesus empreendeu. No
ataque continuam Lima, Salvio e Gaitán. Relativamente a Nico é, na minha ótica
um dos principais craques do futebol português e um dos últimos representantes
em solo luso dos chamados maestros, aqueles futebolistas de técnica apurada que
exploram como ninguém o espaço entrelinhas. Agraciado com a mítica camisola 10
no que para mim se tratou de uma manobra de charme para que permaneça no clube,
ainda não é um dado adquirido que tal aconteça. Óscar "Tacuara" Cardozo é outro velho conhecido que continua a fazer parte do plantel encarnado. Longe do fulgor de outros tempos e não sendo um indiscutível poderá estar perto de sair rumo ao futebol turco.
Deste modo, como que retalhado, estou em crer que este SL Benfica que tem acumulado derrotas na pré-temporada não será o mesmo que se irá apresentar no dia 10 de agosto para disputar a Supertaça Cândido de Oliveira, naquele que será o primeiro jogo oficial da temporada.
Deste modo, como que retalhado, estou em crer que este SL Benfica que tem acumulado derrotas na pré-temporada não será o mesmo que se irá apresentar no dia 10 de agosto para disputar a Supertaça Cândido de Oliveira, naquele que será o primeiro jogo oficial da temporada.
Contrariamente
ao que se verificou nos últimos anos ainda não chegaram os tais reforços
internacionais pelos seus países, aqueles upgrades de peso, que entram “de caras” no onze
inicial. Dos jogadores que estiveram emprestados e que têm tido minutos, apenas
Ola John me parece reunir condições para continuar. Lisandro López, quando
recuperar será, a meu ver e perante as opções atualmente disponíveis, o natural
substituto de Garay sendo que, no mínimo, deverá continuar no plantel. Luisão
apesar dos seus 33 anos continua a ser um jogador fundamental. Consigo todo o
setor parece funcionar melhor e sem a sua voz de comando a equipa ressente-se
claramente. Jardel terá sempre uma palavra a dizer, ele que à entrada para a
sua quinta época de águia ao peito tem correspondido sempre que é chamado. O SL
Benfica terá necessariamente que mudar. Daí que não se possam tirar grandes
ilações até ao momento. Os “encarnados” são a principal incógnita para esta
temporada.
Entre o desmantelamento do plantel campeão
nacional, os regressados e os reforços temos visto uma equipa mais
“portuguesa”, mais made in Benfica e com muitos jogadores da
formação. A começar pelo veterano guarda-redes Paulo Lopes, que tem beneficiado
da ausência, até ao momento, de um sucessor de Oblak para ter minutos, ao qual
se juntam João Cancelo, André Almeida, Victor Lindelöf, Bernardo Silva, João Teixeira,
Ivan Cavaleiro e Nélson Oliveira. Acredito que esta mudança de paradigma seja
apenas momentânea, fruto de tantas ausências motivadas pela venda e pelas
lesões de potenciais titulares e/ou jogadores da equipa principal. No entanto
estes jovens valores têm tido minutos na equipa A e alguns têm deixado bons
apontamentos. É certo que precisam, sobretudo, de jogarem com regularidade mas
é sempre uma oportunidade de se mostrarem aos adeptos e a Jorge Jesus. Apesar
de se encontrar ainda na sua fase de desenvolvimento, João Cancelo tem mostrado
mais do que o recém-contratado lateral brasileiro Luís Felipe e apresenta-se,
na minha ótica, como uma melhor alternativa a Maxi Pereira.
Entre
os poucos destaques da pré-temporada “encarnada” destacam-se dois jovens
centrocampistas: João Teixeira e Anderson
Talisca. O primeiro é produto das escolas do Benfica, tem aproveitado a
falta de opções do meio campo para ter minutos e a verdade é que tem sido uma
espécie de raio de sol entre a sombra que tem sido esta pré-temporada. Denota
uma boa capacidade de posicionamento e de passe, sabe aparecer em zonas de
finalização e tem uma enorme margem de progressão. Deverá melhorar com o tempo
a sua concentração, intensidade e capacidade de decisão. Não há melhor técnico
para moldar este jogador que Jorge Jesus. O segundo é um jovem brasileiro que
chegou do EC Bahia. Desde o início que tem sido aposta inicial e tem
correspondido com boas exibições. Forte nas bolas paradas, tem uma intensidade,
uma visão de jogo e uma qualidade de passe aliada à qualidade técnica dos futebolistas
brasileiros que fazem dele o principal reforço efetivo das águias até ao
momento. Permaneça ou não Enzo Pérez que o jovem brasileiro parece desde já ter
agarrado um lugar no miolo do campo encarnado.
Entre
tantas incógnitas, dúvidas e pontos de interrogação a chave do sucesso deste SL
Benfica estará, seguramente, no seu treinador. Jorge Jesus é um treinador experimentado, campeão
nacional, conhecedor do nosso futebol como poucos, com uma carreira
consolidada. Já demonstrou num passado recente grande capacidade de
adaptabilidade face às maiores adversidades. Transformou Fábio Coentrão num
lateral esquerdo de top-mundial, recebeu Matić como um “número oito” que era
reserva do Chelsea e fez dele um trinco de classe após a saída de Javi García
(outro jogador de sucesso moldado por JJ). Em pouco tempo o sérvio foi cobiçado
pelos grandes tubarões europeus e regressou aos blues e a Londres a pedido de Mourinho e
pela porta grande. Foi o homem que reposicionou Enzo Pérez quando foi novamente
colocado numa situação de necessidade (Witsel saíra para o Zenit) e hoje é um
médio de gabarito, titular da sua seleção e muito apreciado no mercado.
Jesus sabe como moldar os jogadores à sua
disposição em função das necessidades da equipa, sem nunca descurar a grandeza
de um clube como o Benfica. O seu trabalho a nível tático realizado com os seus
atletas é impressionante. Além dos jogadores citados supra há ainda o exemplo de Marković que
embora já tivesse o talento foi muito bem trabalhado pelo técnico das “águias”
naquela que foi a sua primeira experiência ao mais alto nível na Europa do
futebol. A sua evolução nomeadamente no que se refere aos processos defensivos
foi notória e reveladora do trabalho de um dos melhores treinadores da
atualidade.
A
manutenção de JJ é sem dúvida um trunfo importante face à incerteza que é o
atual Benfica. A manutenção de jogadores como Enzo, Salvio e Gaitán ajudaria
indubitavelmente o processo. Porém, aconteça o que acontecer e tendo em conta
os antecedentes de sucesso do técnico o SL Benfica encarará a época que se
avizinha com a intenção de revalidar o título. Resta esperar o início oficial
da temporada e… o fecho do mercado.
Artigo
escrito por: Adolfo Serrão
Imagens:
maisfutebol.iol.pt / rr.sapo.pt / abola.pt / goal.com
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