4 de setembro de 2014

Futebol Global 2014/15: Para quê implementar mudanças profundas numa base de sucesso? (análise de 27 de agosto a 2 de setembro)

Reflexão: Duas competições, uma conquista (UEFA Super Cup, numa vitória por 2-0 sobre o Sevilla FC) e um deslize (Supercopa Española, após derrota por 2-1 no conjunto das duas mãos frente ao Atlético de Madrid). Eis o saldo do Real Madrid CF neste início de temporada 2014/15. Alguns meses depois da conquista da UEFA Champions League no Estádio da Luz, a equipa madrilena encara a nova temporada com o claro objetivo de conquistar as três competições em que estará inserida. Porém, os últimos tempos têm sido conturbados em Chamartín. Refiro claramente as opiniões contraditórias sobre a política desportiva do clube (Cristiano Ronaldo e Sergio Ramos personificam esse combate de ideias, contribuindo cada vez mais para a progressiva deterioração de um balneário com problemas que se arrastam desde há vários anos) e uma abordagem apática no último mercado de transferências. De resto, as contratações e decisões efetuadas por Florentino Pérez nem parecem satisfazer os desejos e sugestões de Ancelotti nem elevam a qualidade já existente no passado recente (não colocando em causa a qualidade evidente dos novos reforços). Tratam-se de aquisições cuja finalidade é buscar o mediatismo, agradar aos inúmeros seguidores "merengues" e garantir uma boa receita em termos de marketing. Provavelmente Ronaldo terá razão quando afirma que «Se eu mandasse faria as coisas de forma diferente», mesmo que seja politicamente incorreto referir publicamente uma visão contrária à da administração do clube.

As primeiras impressões do novo exercício mostram um plantel desequilibrado, com jogadores de perfis completamente diferentes. Não existe uma equipa expressa no verdadeiro sentido da palavra, havendo uma clara dependência daquilo que as individualidades conseguem criar. Há pouco fio de jogo e muitos períodos intermitentes: em certas alturas é dada primazia a um estilo de jogo mais pausado e apoiado, noutras é preferível colocar velocidade nas jogadas e apostar nos duelos em inferioridade numérica. Defensivamente, existem graves lacunas (o quarteto defensivo mostra muita descoordenação e pouco sentido posicional) e nota-se a falta de unidades defensivas em organização e transição defensiva. O sistema tem alternado entre o 4-2-3-1 e o 4-3-3, mas o modelo não está consolidado. Só vejo uma razão para tanto descalabro: Ancelotti quer transformar essa mesma filosofia marcadamente de transições para um jogo mais pausado e de posse. Porém, é complicado encaixar umas peças nas outras. Tudo isto porque é clara a incompatibilidade entre um meio campo que privilegia a constante troca de bola (Kroos, Modrić, James, Isco ou Benzema) com um ataque vertiginoso (Bale, Cristiano Ronaldo), à procura de aproveitar os espaços concedidos pelo adversário e introduzir jogadas rápidas de contra-ataque. E se é privilegiado um novo estilo, jogadores como o galês e o português irão ter bastantes dificuldades, já que não irão encontrar os espaços de que habitualmente dispõem, logo a sua influência em campo diminuirá. Em termos de reforços, Kroos veio acrescentar mais qualidade no passe e critério na construção enquanto James é um autêntico prodígio. Porém, nenhum destes reforços está talhado para um jogo baseado em transições nem dispõe de compleição física para aguentar constantes "raides". Para James entrar alguém teria forçosamente de sair. Ángel Di María foi o escolhido (apesar de ter referido que pretendia quedar-se em Madrid), uma realidade que aliada à venda de Xabi Alonso (jogador muito cerebral) constitui dois erros crassos na gestão de Florentino Pérez (à semelhança do que ocorreu com Özil em 2013). De resto, o internacional argentino era o principal dínamo dos "merengues", tendo transitado com Ancelotti da ala (onde se caracterizava por ser um extremo veloz e desequilibrador nos duelos individuais) para a posição de médio interior esquerdo (introduziu mais inteligência no jogo e evoluiu na capacidade de passe, fornecendo os equilíbrios necessários). Em suma, um dos médios mais completos da atulidade e uma peça difícil de substituir no xadrez do campeão europeu. O argentino é um jogador superior a James, provando ter uma enorme influência na manobra ofensiva e defensiva do Real Madrid CF. Navas (guarda-redes que se evidenciou na última temporada) e Javier Hernández (um dos melhores pontas de lança da atualidade a jogar no limite do fora-de-jogo) completaram a lista de entradas do clube da capital espanhola. Por outro lado, saíram Diego López, Jesús Fernández, Casemiro, Sahin e Morata, para além dos supracitados Alonso e Di María.

É de crer que o clube madrileno irá golear frequentemente, dada a qualidade individual existente principalmente do meio-campo para a frente. Porém, também irá certamente encaixar muitos golos e sofrer algumas derrotas, nomeadamente contra adversários organizados e que saibam explorar as debilidades do Real Madrid CF. O duo Kroos-Modrić (mais num duplo-pivot) não parece apto para assegurar a segurança necessária, sobretudo quando tem à sua frente um quarteto de jogadores de cariz ultra ofensivo (apoiado por laterais da mesma índole) que raramente baixam para ajudar nas tarefas defensivas. Uma palavra final para Carlo Ancelotti, treinador italiano com muita experiência acumulada ao serviço de vários clubes de topo do futebol europeu (Juventus FC, AC Milan, Chelsea FC, PSG e Real Madrid CF). É um tarefa hercúlea gerir um conjunto de jogadores com egos elevadíssimos e tentar encontrar um modelo de jogo que permita potenciar todas as capacidades individuais em prol do coletivo, de forma a integrar o máximo possível todos os executantes nos vários momentos do jogo. Uma fórmula que deixe os craques atacarem de forma natural, mas que simultaneamente os incumba de transmitir alguma trabalho defensivo. Este é verdadeiro desafio do transalpino: mesclar jogadores caracterizados por diferentes estilos e atributos, através da procura de uma dinâmica que confira equilíbrio para evitar (mais) dissabores. Havia necessidade para tanta mudança numa época que se queria de consolidação de uma ideia de jogo?

Jovem Promessa: Gonçalo Manuel Ganchinho Guedes. Nascido em Benavente (município localizado no distrito de Santarém) a vinte e nove de novembro de 1996 o jovem português tem estado em evidência na equipa B do SL Benfica, sendo apontado por muitos como um dos mais virtuosos jovens formados no Caixa Futebol Campus nos últimos anos. Recrutado pelas "águias" em 2006, Gonçalo foi paulatinamente atravessando os vários escalões de formação e arrecadando alguns títulos. Na temporada 2009/10 participou ativamente na conquista do campeonato nacional de iniciados. Os encarnados terminaram a fase final de apuramento do campeão invictos e com o dobro da pontuação obtida pelo FC Porto, o então segundo classificado. Duas épocas mais tarde o jogador ribatejano venceu o título referente à Divisão de Honra da Associação de Futebol de Lisboa, atuando pela formação B dos juvenis encarnados. Mas o maior momento de glória para este jovem de dezassete anos sucederia na época 2012/13. Gonçalo Guedes constituiu uma das peças chave na conquista do campeonato nacional de juvenis, tendo assumido particular preponderância no jogo disputado frente ao FC Porto no Centro de Estágios do Olival. A partida era referente à quinta e penúltima jornada da fase final do apuramento do campeão e os encarnados encontravam-se em desvantagem no marcador. Perto do apito final, Guedes cobrou de forma poderosa e irrepreensível um livre direto à entrada da área portista, empatou a partida e ofereceu o ponto que garantia desde logo mais uma conquista para o futebol de formação do SL Benfica (recorde-se que o jogo terminou com lamentáveis desacatos entre jogadores das duas formações). Neste exercício contabilizou ainda algumas presenças nos U19, por uma vez integrou a equipa B (embora não tenha sido utilizado) e, juntamente com Romário Baldé, assinou o primeiro contrato profisisonal. A época transata deu continuidade a um projeto de formação marcado pela regularidade. Depois de dois anos nos juvenis, Gonçalo Guedes subiu a júnior. Titular na equipa comandada por João Tralhão, o português somou quatro golos e uma assistência em oito presenças na UEFA Youth League e estreou-se na equipa B. Coletivamente foi um ano agridoce para as "águias": no plano interno o título nacional escapou para o SC Braga na última jornada enquanto no plano externo o SL Benfica perdeu as finais da UEFA Youth League (3-0 com o FC Barcelona) e da Blue Stars/FIFA Youth Cup (1-0 com o Clube Atlético Paranaense). 2014/15 é encarada como a temporada que permitirá ao jovem revelar-se na equipa B encarnada e tentar almejar um lugar no plantel orientado por Jorge Jesus. A nível internacional, Guedes contabiliza seis golos e trinta e cinco presenças distribuídas desde o escalão U16 ao U18, tendo participado na qualificação para o Campeonato da Europa U17 em 2013. Se der continuidade a um crescimento sustentado e dispuser de oportunidades para demonstrar todas as suas valências certamente Gonçalo constituirá futuramente uma opção válida para a seleção nacional portuguesa (apresenta-se com poucas opções de futuro para a frente de ataque). Passando à análise das suas características, Gonçalo Guedes pode fazer com naturalidade as três posições do ataque (atua preferencialmente no eixo ofensivo). Destro e com uma compleição física em constante aperfeiçoamento (178 cm e 68 kg) o português evidencia bom controlo de bola, qualidade técnica, drible curto (essencial nos duelos individuais) e precisão de passe a curta, média e longa distância. Além disso conjuga velocidade com uma interessante capacidade de remate (tem uma meia distância poderosa) e é dotado de um elevado sentido posicional e visão de jogo (aspetos cruciais para isolar companheiros em desmarcação). Tem evoluído em termos defensivos (quando joga nas faixas é comum ver Guedes bastante próximo do lateral para o auxiliar) e tem fixado menos o jogo nos seus pés, algo que contribuiu para a evolução da sua tomada de decisão e que lhe permite usar toda a qualidade individual em benefício do coletivo e não do protagonismo individual. Recentemente Gonçalo integrou os treinos do plantel sénior do SL Benfica, recebendo fortes elogios de Jorge Jesus («[O Gonçalo Guedes] está dois anos à frente na idade»), algo que contrasta com declarações proferidas pelo mesmo no início do presente ano civil sobre a formação encarnada («Substituto de Matić na formação? Tinham de nascer dez vezes»). Claro está que o facto de o percurso futebolístico ter sido totalmente realizado no clube lisboeta é um dado que joga totalmente a favor do jovem natural de Benavente. O começo da presente temporada está a ser frutífero (dois golos e duas assistências) e Guedes promete mostrar-se cada vez mais. A margem de progressão é considerável e o centro de estágios instalado no Seixal fornece todas as condições para dar continuidade a uma evolução sustentada e cuidada. No entanto, nestes casos é sempre fundamental a manutenção de uma boa dose de humildade, pois estamos perante um jovem de tenra idade que tem demonstrado trabalho e capacidade mas que não deve iludir-se com as críticas positivas apontadas quer por adeptos e sócios quer pela própria comunicação social. Clubes como o AC Milan, Arsenal FC, Borussia Dortmund ou FC Barcelona já tentaram no passado garantir os serviços do jogador. A grande questão que se tem colocado nos tempos recentes é perceber de que forma o SL Benfica irá gerir um conjunto de muitos ativos com elevado talento. Uma destas duas vias terá de ser escolhida: ou existe uma aposta coerente no produto "made in Benfica" (desde que constitua uma verdadeira mais valia para o plantel principal e apresenta uma boa perspetiva de crescimento no futuro) ou então privilegia-se a venda e o desperdício de tanto talento (exemplos recentes de Bernardo Silva ou João Cancelo). 

Facto: Semana de mudanças no CA Boca Juniors. Após uma derrota por 3-1 frente ao Club Estudiantes de la Plata consentida na passada quinta-feira, Carlos Bianchi foi despedido do comando técnico de "Los Xeneizes". O técnico de sessenta e cinco anos não resistiu a uma péssima entrada no Torneio Inicial 2014 (três derrotas e uma vitória) e ao forte clima de instabilidade interna vivido na Bombonera desde há uns meses atrás (a saída de Juan Roman Riquelme agudizou o divórcio entre os adeptos, diretores e "El Virrey") 
e termina da pior forma a sua terceira passagem pela formação de Buenos Aires. Bianchi tinha regressado em dezembro de 2012, não conquistando qualquer título desde então. Recorde-se que o "Mr. Libertadores" viveu momentos de glória neste clube tendo conquistado, entre outros troféus, três Copas Libertadores, duas Taças Intercontinentais e quatro títulos argentinos (três Torneios Iniciais e um Torneio Final). Rudolfo Arruabarrena, antiga glória do clube, foi prontamente anunciado como o substituto do treinador mais laureado na história do CA Boca Juniors, tendo vencido o seu primeiro desafio (3-1 no clássico frente ao CA Vélez Sarsfield).

Equipa da Semana (4-4-2): Diego López (AC Milan); Coke (Sevilla FC), Ryan Shawcross (Stoke City FC), Aymeric Laporte (Athletic Club de Bilbao) e Alberto Moreno (Liverpool FC); Xabi Prieto (Real Sociedad), Nemanja Matić (Chelsea FC), Radja Nainggolan (AS Roma) e Marco Reus (Borussia Dortmund); Diego Costa (Chelsea FC) e Zlatan Ibrahimović (PSG)

Frase: «Disse-me para acreditar e para ir para cima deles. Vi a bola entre os centrais, acreditei que ia sobrar para mim e foi o que aconteceu. Não acertei bem na bola, mas acabou por ser o falhanço mais acertado da carreira» - Esmael Gonçalves, jogador do Rio Ave FC, sobre o golo que qualificou a equipa vilacondense para a fase de grupos da UEFA Europa League pela primeira vez no seu historial.


Artigo escrito por: Ricardo Ferreira 
Imagens: pt.wikipedia.org / beinsports.tv / slbenfica.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário

Agradecemos comentários onde impere o bom senso e a coerência, dispensando "guerras clubísticas". A liberdade de expressão deve ser usada e encarada com o máximo de responsabilidade possível.