13 de setembro de 2014

Espaço Entrelinhas: Ventos de mudança...

   Esta semana todas as atenções estiveram concentradas na Seleção Nacional. Se nos AA’s o destaque vai para Paulo Bento já não ser o selecionador nacional, nos sub-21 Portugal qualificou-se para o playoff de apuramento para a fase de grupos do Europeu de 2015 que se irá realizar na República Checa (e neste caso o playoff é mesmo o melhor que se pode atingir), realizando uma campanha 100% vitoriosa. Fomos a única seleção que apenas conheceu o doce sabor da vitória em 8 jogos realizados, o que por si só muito diz acerca do trabalho que Rui Jorge tem vindo a realizar com as esperanças lusas. É necessário recuar até ao ano de 2006 para encontrarmos semelhante percurso, tendo sido alcançado apenas pela segunda vez no historial da categoria.

   Começando pela saída de Paulo Bento foi por mim encarada como uma inevitabilidade que apenas pecou por tardia. À imagem de outros selecionadores cujas seleções desiludiram no Mundial do Brasil, Paulo Bento deveria ter saído logo ali. Há cerca de quatro anos, em outubro de 2010, este estreou-se como novo timoneiro da seleção das quinas. Ganhámos à Dinamarca por 3-1 no Estádio do Dragão. Recordo que vínhamos de um vexatório empate caseiro ante o Chipre (4-4!) e uma derrota na Noruega (0-1). Nos jogos que se seguiram sentiu-se aquele hype do novo selecionador nos jogadores e no público que voltou a apoiar em massa a nossa seleção. Lá nos conseguimos apurar novamente recorrendo ao playoff e mais uma vez ultrapassamos a Bósnia-Herzegovina. Conseguido o passaporte para a Polónia e a Ucrânia, fizemos uma fase final de Europeu brilhante em 2012. Apenas caímos nas meias-finais perante a então toda poderosa Espanha, que viria a vencer o certame, e apenas através da conversão de pontapés da marca de grandes penalidades. A partir daí  a qualidade exibicional apresentada foi sempre decaindo. Na qualificação para o Mundial do Brasil tivemos muitas dificuldades num grupo que estaria sempre ao nosso alcance e, repetindo a sina das recentes qualificações, foi necessário um novo playoff de apuramento. Valeu-nos um capitão em grande forma. Ronaldo quase carregando um país às costas levou-nos ao Brasil. Porém, ainda antes de lá chegarmos, já se pressentia que algo ia correr mal. Enquanto outras seleções já estagiavam no local, treinando para suportar o intenso calor e a humidade previstas, a nossa passeava em festas no Jamor e em rumaria por terras do Tio Sam. Um péssimo planeamento – aqui apontam-se responsabilidades sobretudo à FPF – ditou uma prestação sofrível da nossa seleção. Derrotados com estrondo na estreia com a Alemanha por 4-0 e depois com… os Estados Unidos da América (ironia do destino).

   Viemos mais cedo que o esperado para casa. Ficamos muito aquém das expectativas numa competição onde para além da incompetência revelada a nível da preparação e dos métodos de treino (Portugal nunca conseguiu adaptar-se às condições atmosféricas e climatéricas nem ao fuso horário que variava conforme as partidas) e das más exibições, os jogadores apresentaram uma estranha apetência para as lesões. Por incrível que pareça os três guarda-redes convocados tiveram tempo de jogo e este não foi concedido meramente por opção técnica. Saímos sem honra nem glória, muito se falou na necessidade de repensar a Seleção Nacional, de a renovar, inclusive foi muito badalado na praça pública o exemplo da nova campeã mundial, a Alemanha, que em 2000 bateu no fundo e posteriormente os dirigentes federativos fizeram uma renovação estrutural que agora começa a dar frutos.

   O que aconteceu? Passamos a ter uma nova equipa médica. Henrique Jones foi afastado e Carlos Noronha, o ortopedista que em janeiro operou Radamel Falcao passou a dirigir a recém criada unidade de saúde e performance da federação. Foi criado igualmente um gabinete técnico para as seleções nacionais coordenado por Paulo Bento, que assim estaria mais próximo da formação, do qual também faziam parte Rui Jorge, selecionador dos sub-21 e Ilídio Vale, selecionador dos sub-20 que levou, em 2011, a seleção à final do Mundial da categoria.

   No primeiro jogo após a desilusão que foi a participação portuguesa no Brasil e depois de tanto se falar numa renovação da Seleção Nacional, Paulo Bento apenas apresentou uma cara nova no onze inicial contra a congénere albanesa, André Gomes. Numa partida que se pensava ser um ponto de viragem rumo a um futuro mais risonho, eis que a Albânia venceu Portugal por 0-1. E o pior de tudo nem foi o resultado, que foi histórico e talvez a maior humilhação sofrida pela seleção nacional. O pior foi a apatia, a falta de criatividade, o pouco brio exibicional. Ronaldo, mesmo ausente devido a lesão, foi recordado. Era o ponto final na ligação de Paulo Bento à Seleção Nacional e um terrível arranque da qualificação para o Europeu de 2016 em França.

   Analisando o percurso do selecionador à frente dos destinos da seleção das quinas, ressalta também a sua teimosia em diversas convocatórias, a insistência em determinados jogadores, os diversos casos disciplinares e afastamento de atletas. Os casos mais flagrantes foram os de Ricardo Carvalho, Bosingwa e Danny. Relativamente ao primeiro nome, considero ser quase unânime que aí Paulo Bento agiu corretamente, em prol de todo o grupo e que o referido atleta nunca mais poderá vestir a camisola das quinas. O seu comportamento de «desertor» foi demasiado grave. Quanto aos restantes, custa a entender até porque nem foram dadas muitas explicações a não ser que seriam «espectadores» dos jogos de Portugal. Todas estas ocorrências foram desgastando a imagem pública de Bento. Não conseguindo obter a consistência exibicional que se exige a uma seleção como a nossa e também os resultados esperados acabou, naturalmente, por sair.

  A Seleção Nacional nunca poderá ser vista como uma equipa do treinador ou de um qualquer empresário ou agente desportivo. A uma seleção devem ser chamados os melhores no momento e não aqueles que, embora joguem pouco ou por terem um determinado empresário ou por atuarem por determinado clube são sempre convocados. Esta mentalidade é, a meu ver, errada, e urge ser modificada.

   Quanto aos potenciais sucessores, nos últimos dias têm sido insistentemente apontados os nomes de Jesualdo Ferreira, Vítor Pereira, Fernando Santos e José Peseiro. Todos eles têm em comum o facto de estarem livres, no entanto têm perfis diferentes. Jesualdo Ferreira e Fernando Santos são treinadores já muito experientes, nacional e internacionalmente, que contam no seu curriculum com passagens pelos chamados três grandes do futebol nacional. Jesualdo foi tricampeão no FC Porto, Fernando Santos ainda hoje é conhecido como o “Engenheiro do Penta” por ter conquistado, ao serviço dos «dragões», um campeonato, a fechar uma série de cinco títulos conseguidos pelo clube, tendo ainda alcançado, na Grécia, quase um estatuto divino pelos resultados conseguidos tanto em clubes importantes como ao serviço da seleção helénica. Ambos reúnem consenso. Porém, o segundo tem como handicap o facto de ter sido punido com oito jogos de suspensão após a eliminação da Grécia nos oitavos de final do último Mundial. Vítor Pereira foi bicampeão nacional ao serviço do FC Porto, conquistou quase tudo quando era adjunto de André Villas-Boas no clube e tem como principal pro o facto de destes nomes, ser talvez o mais evoluído técnica e taticamente. Contra está ainda a sua pouca experiência como treinador principal, sobretudo quando sendo aventado como hipótese para suceder a Paulo Bento que antes de ser selecionador nacional tinha apenas treinado o Sporting CP. José Peseiro é um treinador já com alguma experiência, tendo trabalhado, inclusive, no Real Madrid. A nível interno destacam-se as suas passagens por CD Nacional, Sporting CP e SC Braga. As suas equipas apresentam sempre um futebol ofensivo, esteticamente agradável para os espectadores. Esse é um ponto forte. Como ponto negativo está o facto de Peseiro ser muitas vezes apelidado de «pé frio», de não ser um vencedor. Recorda-se a sua passagem pelo Sporting CP em 2005, na qual o clube de Alvalade foi derrotado em casa na final da Taça UEFA e deixou escapar o título de campeão nacional ao ser derrotado pelo SL Benfica já bem perto do final do campeonato. Lembra-se igualmente uma derrota na final da Taça do Golfo em 2010 quando orientava a seleção da Arábia Saudita. Nesse jogo o Kuwait venceu por 1-0 com um golo já perto do final do prolongamento. Todavia, o mesmo treinador já viveu momentos felizes. Recordo a vitória do Sporting CP na Holanda frente ao AZ Alkmaar com um golo “milagroso” de Miguel Garcia e que valeu ao clube a passagem à histórica e inédita final da Taça UEFA. Foi também José Peseiro que ao serviço do SC Braga conquistou a Taça da Liga, vencendo na final o FC Porto naquele que foi o primeiro e até ao momento único título dos «arsenalistas» na era António Salvador.

  A aposta num treinador estrangeiro, a acontecer, parece-me descabida de sentido. Portugal é um dos maiores exportadores de treinadores do futebol contemporâneo. A qualidade do treinador português é valorizada e apreciada a nível mundial. Temos treinadores de elite de grande qualidade e que são muito cobiçados internacionalmente. A título exemplificativo a atual edição da Liga dos Campeões da UEFA, a maior montra do futebol mundial, contará com a participação de seis treinadores portugueses. José Mourinho, André Villas-Boas, Paulo Sousa, Leonardo Jardim, Jorge Jesus e Marco Silva são os representantes lusos, sendo Portugal o país mais representado na competição a este nível.

   Na minha opinião e tendo em conta os nomes apontados e as últimas notícias via em Jesualdo Ferreira a melhor solução para a Seleção Nacional. É um homem muito experiente, com passagens por SL Benfica, FC Porto, Sporting CP e SC Braga, os chamados três grandes de Portugal e um clube que, também devido ao contributo do professor, muito tem crescido nos últimos anos. Teve experiências no estrangeiro, as mais recentes em Espanha, no Málaga, e na Grécia, com o Panathinaikos. Apresenta um passado ao serviço das seleções jovens e é um excelente formador e condutor de homens. Vivemos uma época em que uma geração que deu tanto ao futebol português está a chegar ao fim. É necessária uma renovação num momento em que, paulatinamente, temos vindo a assistir a um decréscimo da qualidade em quantidade do jogador português. Neste aspeto o professor Jesualdo Ferreira, com a sua experiência, qualidade e capacidade formativa, poderia dar um contributo importante ao futuro da seleção das quinas.

   É o momento ideal para que também o grande público da seleção se consciencialize que nos próximos anos o nível médio de Portugal vai baixar na mesma medida em que tem baixado a qualidade do nosso campo de recrutamento, já curto e com tendência para encurtar ainda mais. Num passado recente tivemos nomes como Rui Costa, Pedro Pauleta, Nuno Gomes, Luís Figo, Deco, Fernando Couto, Jorge Costa, João Vieira Pinto, Simão Sabrosa, entre muitos outros. Atletas de gabarito internacional e com créditos firmados nos melhores clubes da Europa. Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do Mundo, fez parte desse lote e continua a fazer parte da nossa seleção. Porém, o nível dos atletas que perfilam no onze inicial juntamente com o capitão está em decréscimo. Temos Bruno Alves, Pepe, João Pereira, Raúl Meireles e Hélder Postiga, todos habituais titulares, a entrarem no ocaso das suas carreiras. Patrício, Coentrão, Moutinho e Nani são jogadores que juntamente com o capitão Ronaldo irão fazer a ponte intergeracional. William Carvalho, que parece ir ganhando estatuto na seleção, poderá ser um dos símbolos desta nova geração. Os mais recentes resultados das nossas seleções jovens até têm sido positivos. No escalão de sub-19 ainda à bem pouco tempo, fomos à final do Europeu da categoria. Tal como destaquei inicialmente os sub-21 vão defrontar a Holanda no playoff de acesso à fase final do Europeu após uma campanha triunfal de oito jogos vitoriosos. O problema é a continuidade, ou melhor, a falta dela, que é dada destes jovens jogadores.

   Atualmente o jovem internacional português, salvo raras exceções, não tem no principal escalão do campeonato nacional espaço para a sua afirmação progressiva e sustentável. Para este facto, do meu ponto de vista, contribuem fundamentalmente três fatores: a pressão de ganhar existente nos principais clubes, o facto de terem que ganhar num curto prazo leva a uma aposta noutros mercados em jogadores já feitos; a pouca paciência dos adeptos,  ávidos de conquistas não dá muita margem aos jovens da formação até pela mentalidade que ainda perdura de que «santos da casa não fazem milagres»; os empresários desde cedo “capturam” os jovens talentos e muitas vezes, movidos por interesses estritamente pessoais, levam os seus jogadores a abandonarem o país, aliciando-os com um sonho de uma grande carreira e projeção a nível internacional, prometendo-lhes mundos e fundos o que na maioria das vezes acaba por não acontecer.

   É verdade que a criação das equipas bês foi uma medida importante no sentido de dar tempo de jogo a estes jovens. No entanto, nem todos os clubes têm capacidade para manterem equipas secundárias e mesmo os que têm não resistem à contratação de mais uma promessa estrangeira que irá retirar espaço a um jovem português, da casa. Diga-se também que a continuidade de um jovem com potencial na segunda liga nacional por demasiado tempo também não é benéfica para a sua afirmação no panorama futebolístico.

  Um pouco à semelhança do que acontece noutros campeonatos deveriam criar-se limitações para os extracomunitários de modo a, em condições normais, haver mais espaço para o jovem jogador luso que atualmente encontra tempo de jogo em campeonatos periféricos, menos apelativos e vistos, em países como a Polónia, a Roménia ou o Chipre. Não quero com isto afirmar que não deveriam haver futebolistas estrangeiros a atuar em Portugal. Pelo contrário, a limitação de extracomunitários permitiria uma melhor seleção e uma escolha criteriosa no mercado internacional, o que levaria ao recrutamento de melhores atletas, reais mais valias para as diversas equipas, que assim projetariam ainda mais o nosso futebol além-fronteiras.

   Atualmente assiste-se à contratação em massa de jogadores de outras nacionalidades e depois espera-se para «ver no que dá». Basta um ter efetivamente qualidade para o investimento ser pago. É uma política que prejudica o produto nacional e é também a saída mais fácil.

   Na nossa Primeira Liga de futebol há exceções como o Sporting CP e o Vitória SC que ano após ano lançam jovens da formação na primeira equipa, mas este é um fenómeno que se deve em boa parte às dificuldades económico-financeiras que ambos os clubes atravessam. Em termos práticos esta aposta trouxe poucos títulos, principalmente no que diz respeito aos «leões» que são um clube com uma maior responsabilidade a esse nível. Esta ausência de conquistas da parte de um clube que aposta nos seus jovens pode contribuir para a retração e o desincentivo dessa mesma aposta da parte de clubes com as mesmas ambições que, tendo estratégias diferentes, nomeadamente a aposta no mercado internacional conseguem atingir os objetivos propostos.

   É urgente que a estrutura federativa que gere o futebol português tome mais medidas no sentido de devolver aos jovens portugueses o seu espaço de afirmação. Para bem do futuro da Seleção Nacional. Neste aspeto o novo selecionador nacional terá, nas suas ações, uma importância fundamental.

Artigo escrito por: Adolfo Serrão
Imagens: maisfutebol.iol.pt/diariodigital.sapo.pt

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