26 de março de 2015

Futebol Global 2014/15: A crise vigente do modelo de jogo da AS Roma

Reflexão: No conjunto das cinco principais ligas europeias, a Serie A é frequentemente associada à monotonia e rigidez tática da maioria dos seus clubes. Outrora em abundância na liga italiana, as principais referências à escala planetária transferiram-se, ao longo dos últimos anos, para países mais rendíveis em termos económicos e desportivos. Naturalmente, essa mudança acarretou uma quebra abrupta da qualidade de jogo e, consequentemente, das assistências e receitas originadas. De resto, causas que arrastaram determinados clubes históricos para situações de falta de liquidez económica. Porém, há sempre uma exceção que confirma a regra.


A AS Roma foi fundada em pleno verão de 1927. As suas cores - o amarelo e o vermelho - reconheciam-se nas da bandeira do Capitólio. Um aspeto justificativo da grande massa adepta que desde sempre acompanhou o clube, transformando-o num dos mais conceituados do futebol transalpino. Efetivamente, dados recentes apontam a AS Roma como a quinta formação italiana mais seguida, imediatamente atrás de Juventus FC, AC Milan, FC Internazionale Milano e SSC Napoli. No entanto, o símbolo da "Cidade Eterna", a par da SS Lazio, não apresenta um palmarés tão recheado como o dos clubes supracitados. Três campeonatos, nove taças, uma taça da liga e duas supertaças perfazem um total de quinze títulos, quase todos conquistados no presente século. Mesmo assim, a AS Roma tem uma posição cada vez mais consolidada a nível europeu e mundial.

Em 2011, Thomas DiBenedetto adquiriu o clube à família Sensi, no sentido de o aproximar mais vincadamente do sucesso. No entanto, o clube conseguiu apenas um sétimo e um sexto lugares, para além de inúmeras contratações e mudanças de comando técnico, nas duas primeiras épocas subsequentes à sua constituição enquanto propriedade norte-americana. A temporada 2013/14 assumia, portanto contornos praticamente decisivos para atestar a validade do projeto implementado pelo empresário ítalo-americano. Rudi Garcia, responsável pela dobradinha do Lille OSC em 2010/11, foi o homem que conduziu os romanos ao segundo lugar no campeonato, qualificando-os diretamente para a fase de grupos da UEFA Champions League. Mas o presente exercício não tem agradado aos seguidores giallorossi, que se arrasta de forma intrigante em campo.

Em primeiro lugar, a abordagem ao mercado não foi executada da melhor forma. Sobretudo na antecâmara de uma época marcada pelo regresso às competições europeias (exigindo menor tempo de preparação para cada encontro e adicionando maior desgaste físico). Na ausência de um ponta de lança declarado, Mattia Destro acabou emprestado ao AC Milan no último mercado de inverno. Um caso paradoxal, tendo em conta a proposta de jogo do técnico francês. Com vinte e quatro anos cumpridos recentemente, trata-se de um ponta de lança móvel, que denota poucas referências posicionais e procura tabelar com os companheiros, explorando zonas interiores. Contabiliza sete golos em vinte e seis jogos em 2014/15. Ainda dentro do setor ofensivo, nota para as presenças de Gervinho (capaz de criar desequilíbrios através de mudanças de velocidade, opta quase sempre por terminar o que inicia - é uma das razões pelo frequente jogo exterior da AS Roma, o que lhe retira ligação com zonas interiores), Francesco Totti (trinta e oito anos e toda uma vida futebolística dedicada às cores romanas, jogando a'número dez' ou 'falso nove' e exibindo uma grande dose de qualidade técnica, que é aproveitada no espaço entrelinhas para receber o esférico com critério e rapidamente lançar colegas em desmarcação), Seydou Doumbia (contratado ao PFC CSKA Moskva, gosta explorar a velocidade em profundidade) ou Victor Ibarbo (emprestado pelo Cagliari Calcio, pode atuar no eixo central ou descaído para uma faixa, onde realiza diagonais e procura elevar o sentido tático do seu jogo).

Mas nem só de questões relacionadas com o mercado vive a crise do modelo de jogo da AS Roma. Rudi Garcia tem uma visão muito particular do fenómeno futebolístico. Por detrás do sistema tático (normalmente o 4-3-3) e das dinâmicas inerentes ao modelo de jogo, cada jogador sente-se livre para construir os seus próprios relacionamentos em campo. Especialmente o trio de centrocampistas, pronto a ajustar os seus movimentos consoante o contexto e as necessidades coletivas. Isto tendo sempre como prioridade a manutenção de um bloco coeso entre os três setores. É um projeto de bom futebol, mesmo na ausência de uma referência ofensiva. A época transata assim o evidenciou. A questão problemática em 2014/15 prende-se com o aumento substancial do número de jogos e com a ausência prolongada de Kevin Strootman. Poderá parecer abusivo correlacionar diretamente as duas variáveis, mas as estatísticas são claras: nos sete jogos realizados este exercício (seis na Serie A, mais um na UEFA Champions League), a AS Roma somou dois triunfos e cinco empates. Recorde-se que o internacional holandês apontou dois golos, depois de recuperar de uma rotura de ligamentos no joelho esquerdo, lesão que o fez parar novamente desde janeiro passado. Com Rudi Garcia, o canhoto Strootman ganhou maior amplitude de movimentos, gerindo notavelmente um meio-campo romano bastante rotativo. Posicionando-se normalmente como interior esquerdo, exibia rapidez de pensamento, qualidade no controlo do esférico e oferecia profundidade. Além disso, sem bola posiconava-se de forma inteligente, para reagir da melhor forma a uma hipotética perda da posse. Em suma, o seu futebol foi redimensionado, contando com o auxílio de elementos como o bósnio Miralem Pjanić, o italiano Daniele De Rossi, o belga Radja Nainggolan e, mais recentemente, o maliano Seydou Keita. O treinador francês, privado do seu jogador com mais qualidade técnico-tática, sente naturais dificuldades (exponenciados nos próprios resultados finais) pelo facto de determinados jogadores não estarem devidamente preparados para absorver as dinâmicas do seu modelo de jogo. O conjunto italiano conserva, portanto, uma enorme distância inter-setorial, abrindo espaços suscetíveis de serem explorados pelos adversários. Adicionalmente, a organização ofensiva não prepara convenientemente os jogadores para reagir à perda da bola, algo que aumenta as hipóteses para o oponente contra-atacar. O futebol é um jogo coletivo, no qual todos os jogadores são partes integrantes e essenciais para a concretização de uma ideia, um estilo e uma forma de jogar. No meio da conjuntura romana, devidamente descrita acima, a necessidade de um jogador como Strootman cresce gradualmente a cada jornada que a AS Roma aumenta a sua distância pontual para a Juventus FC e, consequentemente, para o ceptro italiano. Uma necessidade que até já coloca o nome de Garcia em causa.

Jovem Promessa: A última revelação dos "mineiros" de Gelsenkirchen. Natural de Essen (município localizado no estado de Nordrhein-Westfalen), Leroy Sané vem conquistando gradualmente o seu espaço na equipa sénior do FC Schalke 04. Filho do ex-futebolista senegalês Souleyman Sané e da ex-ginasta alemã Regina Weber, iniciou o percurso futebolístico no Bayer 04 Leverkusen. Em 2011, o camisola dezanove chegou às camadas jovens do clube azul. Na temporada transata registou a sua estreia na 1. Bundesliga (em abril de 2014, numa derrota por 3-1 frente ao VfB Stuttgart), bem como uma prometedora campanha na UEFA Youth League (um golo e três assistências em oito encontros). O conjunto germânico atingiu as meias finais, graças ao talento de elementos como Timon Wellenreuther, Maurice Multhaup, Florian Pick ou o próprio Leroy Sané. Em 2014/15, o seu estatuto subiu paulatinamente. Destacou-se novamente na prova organizada pelo organismo que gere o futebol europeu, adicionou quase uma dezena de presenças no escalão máximo do futebol alemão, estreou-se na UEFA Champions League (e logo com um golo pleno de colocação, que o tornou no jogador mais jovem de sempre a faturar frente ao Real Madrid CF na liga milionária - dezanove anos e cinquenta e oito dias) e encontra-se envolvido na qualificação da "Die Mannschaft" para o Campeonato da Europa U19 2015. Médio ofensivo, Sané pode atuar com regularidade encostado a uma faixa. Trata-se de um canhoto com alguma dose de criatividade, competente nos capítulos do passe e da finalização. Cria desequilíbrios, ludibria adversários e retém a posse do esférico com facilidade, através da capacidade técnica que transporta em cada pé. Fruto dos seus tenros dezanove anos, revela uma margem considerável de progressão em termos de tomada de decisão, já que costuma abordar determinadas jogadas de forma individual. Perante o atrevimento de alguns clubes europeus, o FC Schalke 04 já renovou contrato com Sané até 2017. Certamente que os responsáveis do clube do Ruhrgebiet estarão atentos à evolução do executante alemão, que segue os passos de jovens talentosos como Max Meyer (ver perfil aqui) ou Julian Draxler. 


Por Ricardo Ferreira

1 comentário:

  1. De facto, a Roma tem revelado que continua a faltar ainda muita coisa para ser um efectivo concorrente da Juventus na luta pelo titulo. Apos um 1º ano bem conseguido, o mercado nao foi, de facto, atacado da melhor maneira ou pelo menos nao foram corrigidas todas as lacunas. Manolas, Holebas ou Keita foram nomes interessantes, em face das limitaçoes financeiras do clube, mas os 25M do Iturbe poderiam ter sido melhor empregues num jogador que fizesse efectivamente a diferença no ataque romano. Em Italia quem tem avançados de topo esta mais perto de vencer, mesmo quando o colectivo nao esta a funcionar como agora. Destro saiu, Doumbia acabou por nao ter o impacto que se estava a espera, pelo menos no imediato. Veremos se na proxima epoca tera mais oportunidades de aparecer, sendo que a sua velocidade, potencia e capacidade de finalizaçao podem fazer a diferença. Ainda assim, um "matador" como Carlos Bacca era muito bem visto ou entao uma hipotese mais remota em relaçao a um compatriota: um emprestimo de Falcao.

    Outra questao relevante e, de facto, a lesao do Strootman. Foi um pilar na epoca passada ate a lesao, e um medio todo-o-terreno de classe mundial quando esta em forma e ninguem interpreta tao bem as funçoes que o Rudi Garcia quer dos seus medios. Alguem que ocupe bem o espaço, mas que tenha inteligencia, passe e capacidade de progressao com bola para a bola rapidamente chegar a Gervinho, Iturbe ou Ljajic. Nainggolan vinha fazendo uma epoca extraordinaria ate ao final da 1ª volta, mas a verdade e que o meio-campo romano tem caido muito de produçao nos ultimos tempos.

    Por fim, creio que esta mini-crise tambem se podera dever a um factor animico, isto e, o facto de toda a gente em Roma saber que dificilmente haveriam chances de bater a Juventus neste campeonato. O problema e que o proprio 2º lugar ja esta em risco, visto que a Lazio e neste momento uma seria ameaça pelo futebol que pratica. O mais atraente em solo italiano nesta fase claramente.

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