16 de julho de 2014

Futebol Global 2014/15: Denominador comum para espanhóis e alemães (análise de 8 a 15 de julho)

Reflexão: Caiu o princípio da continentalidade. Quatro anos após o sucesso espanhol, a Alemanha superiorizou-se numa interessante final, com os germânicos a assumirem as despesas do jogo e os argentinos a tentarem aproveitar os erros adversários para criarem oportunidades de golo. Em pleno prolongamento, Mario Götze resolveu a partida com uma bela execução de pé esquerdo, dando o quarto título mundial ao seu país e igualando os feitos de 1954, 1974 e 1990. 

Analisando mais detalhadamente, esta vitória alemã representa o triunfo de uma das poucas equipas que se exibiram em solo brasileiro com organização tática, processos de qualidade e boas tomadas de decisões coletivas. Indubitavelmente a melhor equipa da competição pois derrotou vários conjuntos com um coletivo praticamente inexistente e que sobrevivem à base do talento individual (casos de Portugal, Brasil ou Argentina). É o triunfo de um estilo marcado pela retenção e circulação da posse de bola, pela constante organização da equipa (com ou sem bola), pela criação de espaços de modo a gerar situações de perigo e pela tentativa de desposicionar os adversários sobre a incrível desorganização que imperou em bastantes seleções. O tão famoso "tiki-taka" afinal não morreu, como era a crença de muitos adeptos do futebol (sobretudo depois da queda abrupta da Espanha na fase de grupos e da derrota expressiva do FC Bayern Münich de Guardiola frente ao Real Madrid).

No plano individual, destacar o guarda-redes Manuel Neuer (vencedor do troféu "Luva de Ouro" e um líbero em organização ofensiva, contabilizando bastantes passes, leitura de jogo apurada e um raio de ação nada comum à maioria dos guardiões), o lateral Philipp Lahm (iniciou o torneio no meio-campo, mas foi a partir da faixa direita que o seu rendimento cresceu e a equipa aumentou a sua produção), o defesa central Mats Hummels (apesar de vários problemas físicos que atrapalham o seu crescimento revelou segurança, critério na saída a jogar e imponência no jogo aéreo), o médio Toni Kroos (o dinamizador do jogo ofensivo alemão emprestou sempre critério, perspicácia e classe no passe e uma visão de jogo extraordinária) e o extremo/ponta-de-lança Thomas Müller (polivalente e um jogador bastante completo, juntou mais cinco golos numa fase final de um Campeonato do Mundo e destacou-se pela sua inteligência em servir os companheiros melhor posicionados no terreno de jogo). 

Encontram-se grandes semelhanças entre a Espanha de 2010 e a Alemanha de 2014 principalmente devido a um fator: Pep Guardiola. Sem retirar o mérito evidente a Vicente Del Bosque e Joachim Löw, o atual técnico do FC Bayern Münich teve um papel decisivo nas conquistas dos dois últimos Mundiais. Veja-se a quantidade de jogadores que atuaram em Barcelona e em Munique com Guardiola e que se sagraram campeões mundiais pelos seus respetivos países. Tal como Del Bosque, Löw teve consciência da forma como Guardiola monta as suas equipas para alcançar o sucesso. Assim, esforçou-se por mesclar as suas ideias com as do técnico catalão. Recorde-se que a Alemanha iniciou o torneio disposta num 4-3-3, com Lahm a médio defensivo e Thomas Müller a ponta-de-lança. Apesar de esta disposição ter sofrido alterações com o desenrolar do mesmo, os princípios de jogo foram mantidos até ao fim, algo que se revelou fulcral. Mérito para Löw, que não teve receio de assumir qual o modelo que seguiu para mudar a sua estratégia, implementando o sistema tático e as próprias inovações que ao longo da temporada 2013/14 Pep Guardiola foi introduzindo na formação bávara. Só assim conseguiu coordenar um conjunto de jogadores de grande qualidade, formando uma equipa. Uma equipa que não se guia pelas individualidades, mas por uma ideal e um objetivo comum. Por fim, a humildade do timoneiro germânico poderá muito bem ser comparada com a atitude da Alemanha, um país que não enveredou em desculpas esfarrapadas após o fracasso do Euro 2000 e repensou seriamente toda a estrutura do seu futebol para alcançar de novo a glória. Aposta na formação, mudança de paradigma e de mentalidades e capacidade para replicar o que de melhor se fazia noutros países foram aspetos trabalhados a fundo e que levaram os alemães novamente ao topo do mundo do futebol.

Jovem Promessa: Divock Okoth Origi. Nascido a dezoito de abril de 1995 em Oostende (município localizado na província da Flandres Ocidental), o jogador do Lille OSC constituiu uma das revelações do Mundial 2014. Formado no KRC Genk, Origi atravessou alguns escalões de formação até assinar em 2010 pelo clube que atualmente representa. Foi em França que este jogador terminou o seu percurso nas camadas jovens e se deu a conhecer ao mundo do futebol. A temporada 2012/13 marcou a estreia na equipa sénior dos "Les Dogues". O jogo era frente ao ES Troyes AC e Origi entrou na segunda parte para participar ativamente no empate a uma bola, apontando o único golo do conjunto então treinado por Rudi Garcia. A época transata acabou por selar o aparecimento definitivo de Divock Origi nos seniores do Lille OSC. Foram quarenta e cinco presenças, sete golos e duas assistências repartidas por três competições (Ligue 1, Coupe de France e Coupe de la Ligue). Ao nível internacional, Origi tem sido presença constante nas camadas jovens da seleção belga. Apesar de possuir descendência queniana (é filho de Mike Origi, antigo internacional daquele país africano), Origi escolheu representar a Bélgica. Sem qualquer internacionalização pela equipa principal dos "Diabos Vermelhos", Divock Origi foi a grande surpresa de Marc Wilmots nos convocados para o Mundial 2014, sobretudo com a finalidade de colmatar a ausência do lesionado Benteke. Individualmente, Origi é destro, sendo dotado de uma boa constituição física (185 cm e 75 kg) e de um enorme potencial, podendo atuar como extremo ou ponta de lança. A excelente temporada realizada em 2013/14 confirmou vários predicados deste jogador muito talentoso: mobilidade, qualidade técnica espantosa, bom remate de meia distância, jogo aéreo interessante, fácil antecipação e controlo de bola, imensa velocidade e capacidade para acelerar o jogo. Deve corrigir alguns pormenores ofensivos (perde algumas vezes a posse de bola devido a desconcentrações), melhorar a sua capacidade de cruzamento e aumentar a sua contribuição em termos defensivos (principalmente quando atua nos corredores laterais). O jogo frente à Rússia ficou marcado por várias razões: confirmou a passagem da Bélgica aos oitavos-de-final e consagrou Origi como o jogador mais jovem de sempre a faturar numa fase final de um Campeonato do Mundo. Este craque sairá muito provavelmente no defeso para um grande clube europeu. O contrato que o liga ao Lille OSC estende-se até 2016 e candidatos ao seu concurso não faltam (Liverpool FC é, para já, o principal interessado). O certo é que a Bélgica ganhou mais uma pérola para os próximos anos, refletindo o bom trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nas camadas jovens.

Facto: A vitória expressiva por 7-1 da Alemanha sobre o Brasil levou à quebra de vários recordes em fases finais de Campeonatos do Mundo. Desde logo Miroslav Klose apontou o seu décimo sexto golo e superou o brasileiro Ronaldo na lista dos melhores marcadores de todos os Mundiais. Além disso, esta foi a meia-final mais produtiva em termos de golos (oito). A Alemanha foi a única equipa em toda a história desta competição a concretizar quatro golos em sensivelmente seis minutos e o Brasil sofreu a derrota mais pesada de um anfitrião de um Campeonato do Mundo. Um jogo que certamente ficará perpetuado na memória dos adeptos do futebol por longos anos.

Equipa Ideal do Mundial 2014 (4-2-3-1): Manuel Neuer (Alemanha); Philipp Lahm (Alemanha), Mats Hummels (Alemanha), Ezequiel Garay (Argentina) e Daley Blind (Holanda); Toni Kroos (Alemanha), Bastian Schweinsteiger (Alemanha), Arjen Robben (Holanda), Lionel Messi (Argentina) e James Rodríguez (Colômbia); Thomas Müller (Alemanha)

Frase: «Iniciamos este projeto há uma década e o que aconteceu hoje foi o resultado de muitos anos de trabalho, começando com o Jürgen Klinsmann. Fizemos um progresso constante, acreditamos no projeto, trabalhamos muito e, se algum grupo merece, é este» - Joachim Löw em declarações após a vitória germânica na final do Mundial 2014 sobre a Argentina.

Artigo escrito por: Ricardo Ferreira
Imagens: zerozero.pt / fifa.com

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