14 de julho de 2014

Rescaldos d'esféricos: O esmorecimento do Sudoeste do Velho Continente

   Com o término do Mundial e com a vitória da seleção da Alemanha diante da Argentina, não há quaisquer dúvidas que esta edição da competição ficará perpetuada no mundo do futebol internacional como uma das melhores de sempre. Todavia, como em praticamente todas no desporto global, existem sempre os denominados “flops”, isto é, as desilusões, sendo estas maioritariamente provindas do continente europeu. Seleções como Espanha, Inglaterra e Itália, anteriores campeãs mundiais, e Portugal caíram de forma justa e precoce perante seleções americanas que, atuando no seu clima e com essas condições dispostas para serem potenciadas como vantagens, só se podem queixar de si próprias por não terem outro desfecho no final desta Copa, tal como Alemanha e Holanda.

   Começando pela seleção portuguesa, que acumulou uma vitória diante do Gana, um empate diante dos Estados Unidos e uma copiosa derrota contra a posterior campeã Alemanha, foi uma equipa bastante focada no melhor jogador do mundo da atualidade: Cristiano Ronaldo. Existia claramente um rótulo de que Portugal era Ronaldo e mais 22 jogadores. Foi uma das grandes debácles em relação a outras forças cujo coletivo se superiorizou. Para além deste fator, a deficiente condição física com que a maioria dos futebolistas se encontrou (inúmeras lesões musculares e substituições forçadas contribuíram para a delimitação do raio de ação do selecionador), a convocatória que suscitou bastante discussão nos cafés do país (Anthony Lopes, Cédric Soares, Rolando, Adrien Silva, Ricardo Quaresma, entre outros, ficaram de fora) e a parcimónia em que o selecionador Paulo Bento se mergulhou (apenas efetuando alterações que pareciam óbvias a olho nu no encontro em que tudo se encontrava parcialmente decidido, especialmente a ausência de William Carvalho diante da frouxa postura de Raúl Meireles e Miguel Veloso nos encontros que antecederam o terceiro) são outros dilemas que estalaram nesta competição.

   A seleção espanhola, campeã em título, vinha de uma larga derrota diante do Brasil na Taça das Confederações e, apesar desta, era considerada uma das grandes favoritas ao êxito maior no Maracanã no dia 13 de julho de 2014. Puro engano, pois duas derrotas a abrir a campanha (1-5 diante da Holanda e 1-2 contra o Chile) colocaram os ibéricos de uma só assentada de fora da Copa. A base dos êxitos na África do Sul em 2010 e na Polónia/Ucrânia em 2012 permanecia e, tal como na equipa lusa, não exibiu a flora das suas capacidades devido já ao acumulado desgaste pela entrada na casa dos 30 anos da maioria dos atletas mas com alguns elementos (Juan Mata, David Silva, Jordi Alba ou Diego Costa) que quebravam com esta base mas que não conseguiram arrastar consigo os restantes companheiros. O tiki-taka que perdurou nestes últimos quatro anos foi superiorizado por uma cínica estratégia orquestrada por Van Gaal e pela renovação coletiva à qual conduziu e por um Chile que mostrou as ganas e a dinâmica ofensiva da qual os espanhóis careciam. Com uma escola de talentos de larga escala (Ander Herrera, Iker Muniain, Jesé Rodríguez, Cristian Tello, Thiago Alcântara, entre outros), o futuro parece brilhante para os espanhóis, contudo não com Vicente Del Bosque, selecionador que, no passado, acumulou sucessos tanto em clubes como em seleções mas cuja metodologia suscita interrogações nos críticos.

   Passando à seleção italiana, campeã em 2006 na Alemanha, esta viu-se enquadrada no grupo da morte assim como a seleção inglesa, afigurando-se como teorica e historicamente favoritos em relação às seleções americanas do Uruguai e da Costa Rica. No jogo inaugural deste grupo de ambas as coletividades, foi a primeira a levar a melhor por 2-1 num encontro que foi bem repartido, entre as rápidas movimentações dos jovens irreverentes constituintes da seleção britânica e a lenta e paciente construção da veterana seleção a partir da linha defensiva. Contudo, os restantes encontros destas duas seleções revelaram-se surpreendentes, com Uruguai e Costa Rica a vencerem Inglaterra e Itália respetivamente. Com um Luís Suarez literalmente endiabrado e um inspirado Keylor Navas na seleção dos ticos, foi inoperante o esforço dos habituais tubarões do Velho Continente (Inglaterra, estava assim, fora do Mundial) mas com a Itália ainda a permanecer com uma réstia de esperança de qualificação, apesar de estar longe de cativar os mais céticos. Esta réstia foi logo neutralizada pelo herói do título nacional do Atlético de Madrid, o central uruguaio Diego Godín, que desnudou as gradualmente mais evidentes debilidades organizativas e ofensivas da seleção de Itália, que, mesmo defensivamente, nunca teve armas para lidar com construções dinâmicas de velocidade elevada, de circulação pragmática de bola e de rápidas transições, explorando os espaços deixados pelos possantes defesas transalpinos e produzindo com regularidade através desse parâmetro, levando à demissão do treinador Cristiane Prandelli que foi mais perspicaz que os selecionadores das seleções supramencionadas e que se apercebeu que é necessário um novo comandante para levar a cabo a transformação italiana, cujo futebol se encontra ultrapassado e acorrentado na década passada. Quanto à Inglaterra de Roy Hodgson, foi uma que efetuou a regeneração atempadamente mas que não conseguiu construir um coletivo válido que lhe permitisse chegar mais longe, sobrando para o Europeu de França de 2016 grandes esperanças quanto a esta seleção que apresenta valores de grande qualidade mas de escassa experiência quanto a encontros internacionais.

   Exceto a Alemanha e a Holanda, deduz-se destas aferições que existe um desmoronamento das teorias táticas privilegiadas pela seleções advindas de solo europeu, com Portugal a não dispor de elementos que permitam a aplicação de um 4x3x3 dada à ausência de pontas-de-lança profícuos na lista de possíveis escolhidos para este grupo e da falta de rigor defensivo por parte dos laterais existentes, dada à larga propensão ofensiva dos flanqueadores do século XXI e escassez de virtudes de marcação e ocupação de espaços; com a Espanha a possuir as pedras basilares dos seus precedentes êxitos sem o fulgor de outrora e a não corresponder às expectativas dos seus apoiantes; com a Itália a possuir rotinas bastante antiquadas para o futebol aplicado neste momento e a necessitar de uma reformulação tática em termos ofensivos (falta de posse com objetividade e de elementos capazes de fazer a diferença potenciando as lógicas elaborações do miolo) e, consequentemente, quanto à organização defensiva (linha defensiva muito avançada e lenta em campo, com bastante espaços a serem explorados, e falta de apoio no processo defensivo por parte dos centrocampistas); e com a Inglaterra, com um jovem rol de excelentes recursos, a precisar de tempo e  experiência para consolidar os processos preconizados pelo seu técnico e a exibir potencial para um futuro interessante. Muitas mudanças devem ser realizadas, pensadas e repensadas para que as seleções europeias voltem a arrecadar a hegemonia do futebol mundial, com o Europeu a ser uma montra para se verificar se as devidas correções foram tomadas ou não. Caso permaneçam estas lacunas, confirmar-se-à uma crise não só sócio-económica e política mas também refletida no desporto, mais concretamente no desporto rei.

Artigo escrito por: Lucas Brandão
Imagens: gettyimages.com

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