2 de agosto de 2014

Espaço Entrelinhas: Entre incógnitas, dúvidas e pontos de interrogação

   Estávamos na tarde de vinte de abril de 2013, domingo de Páscoa, e o árbitro Carlos Xistra concedia dois minutos de compensação. O “inferno” da Luz estava reativado, como há muito não se via. “O campeão voltou!”, gritavam, em êxtase, os adeptos encarnados… A vida por vezes prega-nos partidas. O mesmo minuto 92 que num passado recente assombrava constantemente as hostes benfiquistas era agora o minuto da confirmação. O SL Benfica sagrava-se campeão nacional. Era caso para dizer que Jesus tinha ressuscitado!

   Campeonato nacional, Taça da Liga e Taça de Portugal. O triplete foi alcançado pelas “águias”. Uma época brilhante, confirmou Jorge Jesus como um dos melhores treinadores da atualidade, revelou Jan Oblak como um dos mais promissores guarda-redes da Europa, mostrou-nos um rejuvenescido Luisão, um dos bastiões do título, o líder da equipa, transmissor de uma tranquilidade e segurança notáveis a todos os companheiros da defensiva encarnada que efetuou uma das suas melhores temporadas desde que chegou a Portugal e consolidou Enzo Pérez como um dos médios mais intensos da atualidade. Durante toda a temporada foi notória a sua garra, a sua intensidade e entrega ao jogo. O argentino foi o “motor” desse Benfica que ganhou tudo em Portugal e chegou à final da Liga Europa. A sua cotação subiu em virtude do excelente trabalho desempenhado. Um médio box to box de grande qualidade, tanto a atacar como a defender. Poderoso fisicamente, com um pulmão incansável, uma visão de jogo apurada à qual se junta a raça e a garra típica dos futebolistas latinos. Um guerreiro em campo que regressou à seleção das Pampas pela mão de Sabella, sagrando-se vice-campeão mundial no Brasil.

   Passados poucos meses deparamo-nos com um clima de incerteza na Luz. Depois de novamente efetuar uma boa prestação europeia, chegando ao jogo decisivo da Liga Europa pelo segundo ano consecutivo, à qual se juntou uma prestação a nível interno absolutamente irrepreensível, naturalmente que os principais jogadores encarnados se tornaram num alvo apetecível dos principais clubes da Europa, que dispõem de orçamentos muito superiores em comparação com os grandes de Portugal. À entrada para o derradeiro mês do mercado de transferências o SL Benfica, campeão em título é ainda uma incógnita.

   André Gomes e Rodrigo, já em janeiro tinham sido adquiridos por um fundo, que posteriormente os colocou no Valencia CF. Oblak rumou a Madrid para reforçar o campeão Atlético, sendo o substituto do belga Thibaut Courtois. Siqueira, que esteve na Luz cedido pelo Granada CF, teve o mesmo destino. Garay, que formou durante épocas, juntamente com Luisão, uma das duplas de centrais mais eficazes da Europa, é reforço do FC Zenit St. Petersburg. Lazar Marković confirmou desde cedo o vaticínio que lhe era apontado. Rotulado como um jovem prodígio, provou no Benfica que tais palavras não eram vãs. O jovem de 20 anos mudou-se para a cidade dos Beatles onde irá, certamente, evoluir ainda mais ao serviço do Liverpool. Sílvio, outro dos protagonistas dos títulos almejados, regressou ao Atlético de Madrid. A esta lista de saídas poderá, em breve, juntar-se Enzo Pérez, cujo nome é muito apreciado no Mestalla. A recente compra do Valencia CF pelo multimilionário Peter Lim poderá levar o argentino a reencontrar Rodrigo e André Gomes a muito breve trecho.

   O plantel campeão está, com efeito, dizimado. É o preço do sucesso. Importa realçar o esforço realizado pela direção do SL Benfica na temporada transata, na qual segurou os seus jogadores mais importantes, acabando por conseguir o tão desejado troféu. No entanto, todos os clubes portugueses, nomeadamente os principais, estão “obrigados” a vender para assim conseguirem fazer face a tantos encargos. Esse esforço acabou por ser compensado desportivamente na época transata, mas nesta temporada a vertente financeira terá, irremediavelmente, que ser compensada. O lado económico-financeiro e o sucesso desportivo são dois fatores que podem servir de explicação para esta autêntico êxodo dos principais futebolistas do SL Benfica.

   Acontece que nos últimos anos os “encarnados” têm apresentado sucessivamente planteis altamente competitivos, recheados de atletas de qualidade reconhecida e craveira internacional. Diversamente, à entrada para a temporada 2014/2015 têm chegado ao Estádio da Luz jogadores jovens, na sua maioria provenientes do Brasil, que se afiguram como ilustres desconhecidos para a generalidade dos aficionados. Exceção feita para aqueles que regressaram de empréstimo ou para Eliseu, Bebé, Djavan, Candeias e Derley. O primeiro, experiente internacional português que é há muito um desejo expresso de Jorge Jesus, os restantes com passagens por equipas do nosso campeonato. Bebé passou pelo Rio Ave FC e, na última época, pelo FC Paços de Ferreira, emprestado pelo Manchester United FC, Djavan foi recrutado à Académica, Candeias e Derley chegaram da Madeira, respetivamente provenientes do CD Nacional e do CS Marítimo.

   As lesões de Luisão, Jardel e Lisandro López concorreram para que Jorge Jesus apostasse nesta pré-temporada numa linha defensiva inédita da qual Maxi Pereira, que teve direito a um período de férias mais alargado em virtude da sua participação no Mundial do Brasil, é o único representante da equipa da temporada transata. Desde cedo se percebeu, devido à elevada opção de compra inserida no seu contrato de empréstimo, que Siqueira seria apenas uma solução temporária para o lado esquerdo da defesa. A sua saída fez com que o Benfica retomasse a busca do lateral esquerdo, posto que teve no já citado Siqueira um jogador de indiscutível qualidade mas que representa para as “águias” uma espécie de Santo Graal desde a saída de Fábio Coentrão para o Real Madrid. Esta temporada foram contratados Djavan, Benito e Eliseu.

   A zona intermediária é totalmente nova. O sérvio Fesja, a recuperar de lesão, só volta em 2015. Enzo Pérez gozou férias após a sua honrosa participação no Mundial, ainda não efetuou qualquer jogo e tem sido um dos principais agitadores do mercado, permanecendo a dúvida em torno da continuidade (ou não) do argentino. Tem pontificado Rúben Amorim, internacional português que não foi um indiscutível no onze da temporada transata, embora tenha sido de grande utilidade para a conquista do triplete e a chegada a mais uma final europeia, sendo uma peça fulcral na natural rotatividade que Jorge Jesus empreendeu. No ataque continuam Lima, Salvio e Gaitán. Relativamente a Nico é, na minha ótica um dos principais craques do futebol português e um dos últimos representantes em solo luso dos chamados maestros, aqueles futebolistas de técnica apurada que exploram como ninguém o espaço entrelinhas. Agraciado com a mítica camisola 10 no que para mim se tratou de uma manobra de charme para que permaneça no clube, ainda não é um dado adquirido que tal aconteça. Óscar "Tacuara" Cardozo é outro velho conhecido que continua a fazer parte do plantel encarnado. Longe do fulgor de outros tempos e não sendo um indiscutível poderá estar perto de sair rumo ao futebol turco.

   Deste modo, como que retalhado, estou em crer que este SL Benfica que tem acumulado derrotas na pré-temporada não será o mesmo que se irá apresentar no dia 10 de agosto para disputar a Supertaça Cândido de Oliveira, naquele que será o primeiro jogo oficial da temporada. 

   Contrariamente ao que se verificou nos últimos anos ainda não chegaram os tais reforços internacionais pelos seus países, aqueles upgrades de peso, que entram “de caras” no onze inicial. Dos jogadores que estiveram emprestados e que têm tido minutos, apenas Ola John me parece reunir condições para continuar. Lisandro López, quando recuperar será, a meu ver e perante as opções atualmente disponíveis, o natural substituto de Garay sendo que, no mínimo, deverá continuar no plantel. Luisão apesar dos seus 33 anos continua a ser um jogador fundamental. Consigo todo o setor parece funcionar melhor e sem a sua voz de comando a equipa ressente-se claramente. Jardel terá sempre uma palavra a dizer, ele que à entrada para a sua quinta época de águia ao peito tem correspondido sempre que é chamado. O SL Benfica terá necessariamente que mudar. Daí que não se possam tirar grandes ilações até ao momento. Os “encarnados” são a principal incógnita para esta temporada.

   Entre o desmantelamento do plantel campeão nacional, os regressados e os reforços temos visto uma equipa mais “portuguesa”, mais made in Benfica e com muitos jogadores da formação. A começar pelo veterano guarda-redes Paulo Lopes, que tem beneficiado da ausência, até ao momento, de um sucessor de Oblak para ter minutos, ao qual se juntam João Cancelo, André Almeida, Victor Lindelöf, Bernardo Silva, João Teixeira, Ivan Cavaleiro e Nélson Oliveira. Acredito que esta mudança de paradigma seja apenas momentânea, fruto de tantas ausências motivadas pela venda e pelas lesões de potenciais titulares e/ou jogadores da equipa principal. No entanto estes jovens valores têm tido minutos na equipa A e alguns têm deixado bons apontamentos. É certo que precisam, sobretudo, de jogarem com regularidade mas é sempre uma oportunidade de se mostrarem aos adeptos e a Jorge Jesus. Apesar de se encontrar ainda na sua fase de desenvolvimento, João Cancelo tem mostrado mais do que o recém-contratado lateral brasileiro Luís Felipe e apresenta-se, na minha ótica, como uma melhor alternativa a Maxi Pereira.

   Entre os poucos destaques da pré-temporada “encarnada” destacam-se dois jovens centrocampistas: João Teixeira e Anderson Talisca. O primeiro é produto das escolas do Benfica, tem aproveitado a falta de opções do meio campo para ter minutos e a verdade é que tem sido uma espécie de raio de sol entre a sombra que tem sido esta pré-temporada. Denota uma boa capacidade de posicionamento e de passe, sabe aparecer em zonas de finalização e tem uma enorme margem de progressão. Deverá melhorar com o tempo a sua concentração, intensidade e capacidade de decisão. Não há melhor técnico para moldar este jogador que Jorge Jesus. O segundo é um jovem brasileiro que chegou do EC Bahia. Desde o início que tem sido aposta inicial e tem correspondido com boas exibições. Forte nas bolas paradas, tem uma intensidade, uma visão de jogo e uma qualidade de passe aliada à qualidade técnica dos futebolistas brasileiros que fazem dele o principal reforço efetivo das águias até ao momento. Permaneça ou não Enzo Pérez que o jovem brasileiro parece desde já ter agarrado um lugar no miolo do campo encarnado.

   Entre tantas incógnitas, dúvidas e pontos de interrogação a chave do sucesso deste SL Benfica estará, seguramente, no seu treinador. Jorge Jesus é um treinador experimentado, campeão nacional, conhecedor do nosso futebol como poucos, com uma carreira consolidada. Já demonstrou num passado recente grande capacidade de adaptabilidade face às maiores adversidades. Transformou Fábio Coentrão num lateral esquerdo de top-mundial, recebeu Matić como um “número oito” que era reserva do Chelsea e fez dele um trinco de classe após a saída de Javi García (outro jogador de sucesso moldado por JJ). Em pouco tempo o sérvio foi cobiçado pelos grandes tubarões europeus e regressou aos blues e a Londres a pedido de Mourinho e pela porta grande. Foi o homem que reposicionou Enzo Pérez quando foi novamente colocado numa situação de necessidade (Witsel saíra para o Zenit) e hoje é um médio de gabarito, titular da sua seleção e muito apreciado no mercado.

   Jesus sabe como moldar os jogadores à sua disposição em função das necessidades da equipa, sem nunca descurar a grandeza de um clube como o Benfica. O seu trabalho a nível tático realizado com os seus atletas é impressionante. Além dos jogadores citados supra há ainda o exemplo de Marković que embora já tivesse o talento foi muito bem trabalhado pelo técnico das “águias” naquela que foi a sua primeira experiência ao mais alto nível na Europa do futebol. A sua evolução nomeadamente no que se refere aos processos defensivos foi notória e reveladora do trabalho de um dos melhores treinadores da atualidade.

   A manutenção de JJ é sem dúvida um trunfo importante face à incerteza que é o atual Benfica. A manutenção de jogadores como Enzo, Salvio e Gaitán ajudaria indubitavelmente o processo. Porém, aconteça o que acontecer e tendo em conta os antecedentes de sucesso do técnico o SL Benfica encarará a época que se avizinha com a intenção de revalidar o título. Resta esperar o início oficial da temporada e… o fecho do mercado.

Artigo escrito por: Adolfo Serrão
Imagens: maisfutebol.iol.pt / rr.sapo.pt / abola.pt / goal.com

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