3 de abril de 2015

Futebol Global 2014/15: Os dilemas táticos de Fernando Santos

Reflexão: Portugal derrotou a Sérvia (2-1) no passado fim-de-semana, no Estádio do Sport Lisboa e Benfica. Um triunfo bastante importante na caminhada para o Europeu 2016, que culmina uma primeira volta com nove pontos alcançados em doze possíveis, a que acrescentou uma mudança de selecionador. No entanto, mais do que o resultado final, há que ter em conta a performance coletiva da "seleção das quinas".

E já que se referiu a mudança técnica ocorrida em setembro passado, importa analisar as consequências táticas que daí advieram. Nos últimos anos, Portugal estabeleceu-se a partir de um 4-3-3, privilegiando a capacidade de acelerar o jogo a partir da transição ofensiva. Na existência de um ponta de lança (normalmente Hélder Postiga), tentava-se rentabilizar a profundidade conferida pelos laterais, a capacidade técnica de Nani e o poder de Cristiano Ronaldo para decidir jogos. Com a chegada de Fernando Santos, as dinâmicas e o próprio sistema tático sofreram algumas modificações. Entre o 4-4-2 losango e o 4-4-2 clássico, o ex-selecionador da Grécia foi somando resultados positivos, ainda que com exibições pouco convincentes. Foi privilegiada uma dupla móvel no ataque, no sentido de favorecer a presença cada vez mais constante de Ronaldo nas zonas interiores (que parte da esquerda) e os recuos de Danny. Porém, fica a sensação de que, independentemente do sistema adotado, Portugal ressente-se da falta de um 'nove puro'. Uma problemática que atormenta a seleção nacional desde há vários anos e cuja presença poderia melhorar as dinâmicas e os posicionamentos de cada jogador, no sentido de mais facilmente quebrarem as defesas adversárias. Olha-se para o percurso de Fernando Santos com a "equipa das quinas" e nota-se que os golos das vitórias contra Dinamarca, Arménia e Argentina surgiram quando já estava em campo um ponta de lança.

Este aspeto, combinado com a incapacidade de pressão e recuperação do esférico em zonas altas e as ausências de um médio organizador e de defesas centrais que disponham de velocidade para controlar a profundidade (Pepe é uma exceção) conduzem a que Portugal sinta dificuldades para assumir as despesas da partida. Nos confrontos com adversários de grande qualidade individual, a solução passa por baixar o bloco, apelando a uma eficaz coordenação inter-setorial entre as duas linhas mais recuadas, à exploração dos espaços e à introdução de velocidade nos momentos de contra-ataque. Tudo com o intuito de equilibrar a equipa. Este foi o rosto da exibição frente à Sérvia (muita qualidade individual, apesar da tendência para, paradoxalmente,criarem muitos desequilíbrios coletivos), recorrendo ao 4-4-2 clássico. Tiago e João Moutinho, apercebendo-se da falta de um médio defensivo nas suas costas, não arriscaram muitas subidas, sob pena de perderem o seu posicionamento na organização/transição defensiva. Foram competentes nas basculações defensivas. Apesar de, devido ao plano conservador de Fernando Santos, terem construído pouco volume de jogo ofensivo. Curiosamente, o segundo golo surge através de uma rutura de João Moutinho que, vindo de trás, combina com Ronaldo e oferece primorosamente o tento a Fábio Coentrão. Um dos melhores argumentos coletivos da seleção portuguesa, que terá de se enquadrar nesta nova forma de jogar, sob o ponto de vista de se eclipsar. Ainda sobre o jogo com o país da Península Balcânica, notou-se, em alguns períodos, falta de rapidez na transição ofensiva, condicionada pelos posicionamentos fos jogadores lusos. De resto, ma leitura partilhada por Fernando Santos após a vitória, reveladora de alguma incapacidade de gestão dos diversos momentos e ritmos do jogo. 

Uma última nota sobre o duelo com Cabo Verde (0-2), realizado em circunstâncias muito particulares. Seria ilusório que um conjunto de jogadores, provenientes de diversos clubes, sem quaisquer rotinas adquiridas e com pouco conhecimento mútuo, protagonizasse uma exibição brilhante. Afinal, eram doze os jogadores convocados que não tinham obtido qualquer internacionalização com a camisola principal das "quinas". Portanto, todas as avaliações decorrentes do jogo com os "tubarões verdes" estarão influenciadas por essa perspetiva. Retomando os conceitos táticos, não se entende a aposta inicial num 4-3-3. Sendo um jogo de experiências com novos jogadores, o ideal passaria por enquadrá-los dentro do sistema que tem imperado com Fernando Santos. No fundo, a seleção portuguesa passa atualmente por uma fase de transformação tática (algo que se alastra aos escalões jovens), na qual se procuram jogadores que possam adaptar-se a dinâmicas específicas. Individualmente, um choque com a realidade: não há uma notável geração em fase de maturação. Nomes como André Gomes, João Mário e Bernardo Silva constituirão o futuro da seleção portuguesa a curto/médio prazo. Destaque para o médio ofensivo do AS Monaco FC, canhoto que atuou na faixa direita do ataque, explorando diagonais para zonas interiores e misturando inteligência e rapidez de pensamento com qualidade técnica, rapidez de execução e capacidade de criar desequilíbrios. Sem dúvida, o principal protagonista luso. Num patamar mais inferior, Anthony Lopes, Antunes, André André ou Pizzi revelaram-se alternativas válidas para as suas respetivas posições. Pensamentos que só um contexto completamente distinto poderão confirmar se os jogadores supracitados detém legitimamente estatuto de seleção.

Jovem Promessa: Nabil Fekir nasceu em Lyon (segunda maior área metropolitana francesa, localizada na região de Rhône-Alpes) a dezoito de julho de 1993. Proveniente de uma família com origens argelinas, o futebol surgiu precocemente na sua vida. Às diversas experiências em clubes modestos (AC Villeurbanne, FC Vaulx-en-Velin, Caluire SC e AS Saint-Priest), o médio juntou duas passagens pelas camadas jovens do Olympique Lyonnais. A primeira não correu da melhor forma, culminando numa dispensa ao fim de dois anos. Porém, em 2011 o franco-argelino voltou ao Stade de Gerland, a fim de singrar definitivamente no clube da sua cidade-natal. Findo o percurso de formação, evoluiu durante duas temporadas na equipa B, tendo assinado, com dezanove anos, o primeiro contrato profissional da sua carreira, válido até junho de 2019. A estreia pelo conjunto principal dos Les Gones remonta a agosto de 2013, numa derrota por 2-0 frente à Real Sociedad, a contar para a segunda mão dos play-offs de acesso à fase de grupos da UEFA Champions League. Sob o comando de Rémi Garde totalizou um golo e três assistências em dezassete encontros (dados repartidos por Ligue 1,  Coupe de la Ligue e competições europeias), dados que refletem a concorrência (sobretudo de Clément Grenier, Yoann Gourcuff ou Steed Malbranque) e as dificuldades encaradas por Fekir. Para a presente temporada, Hubert Fournier assumiu as funções de técnico do Olympique Lyonnais. A lesão prolongada de Grenier e a saída de Bafétimbi Gomis para o futebol inglês são dois dos fatores que justificam afirmação do jogador dentro do clube outrora heptacampeão gaulês (treze tentos e onze assistências em trinta e uma partidas). Médio ofensivo centro, este canhoto pode atuar sobre uma faixa lateral ou explorar a mobilidade numa dupla atacante. Encaixa, portanto, no habitual 4-3-1-2 implementado por Fournier, rentabilizando a exploração do espaço entrelinhas. Não é muito possante em termos físicos (173 cm e 67 kg), mas demonstra agilidade, pormenores de fino recorte técnico, capacidade de pressão sobre o adversário e criatividade para superar as dificuldades que o jogo lhe oferece. Acrescenta a estas valências argumentos nos capítulos do passe, finalização e marcação de bolas paradas. Deve aprimorar a tomada de decisão e o auxílio prestado em termos defensivos, nomeadamente quando atua nas costas dos pontas de lança. Nabil Fekir, um dos destaques da edição 2014/15 da Ligue 1, após momentos de hesitação, escolheu representar a seleção francesa (como já tinha efetuado anteriormente no escalão U21), em detrimento do país de origem da sua família. Com efeito, o executante do Olympique Lyonnais somou recentemente as duas primeiras internacionalizações, diante de Brasil e Dinamarca. O jovem de vinte e um anos aponta ao Europeu 2016, certame a ser realizado em solo gaulês. Resta conferir se Didier Deschamps alinhará no mesmo pensamento do camisola dezoito.



Por Ricardo Ferreira, com edição audiovisual de Ricardo Rocha

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